23.10.04

Uma semana...

E falta uma semana pro meu aniversário...

14.10.04

100° Post

Aêêêêêêêêêêê!!!!
Quem diria que eu chegaria aqui! 100° post!!!
Pra comemorar, vou anunciar minha flauta:

Vendo flauta transversa Yamaha F100 SII. Tá um pouco escurecida pela falta de uso, mas funciona direitinho. Sapatilhas e lubrificação em perfeito estado. Preço: R$ 900,00. Tenho visto por aí gente vendendo o mesmo modelo de flauta entre R$ 1.200,00 e R$ 1.300,00. Como a minha tá precisando de uma limpeza, tô dando essa colher de chá! Quem se interessar, deixa um recado COM E-MAIL ali nos comentários oumanda um mail pro endereço ali de cima em "fale comigo".

Muito grato, gente boa! Inté a próxima!!

6.9.04

Meu Tempo é Hoje

Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim, eu sou assim
Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim, eu sou assim
Meu mundo é hoje
Não existe amanhã pra mim
Eu sou assim
Assim morrerei um dia
Não levarei arrependimentos
Nem o peso da hipocrisia
Tenho pena daqueles
Que se agacham até o chão
Enganando a si mesmos
Por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte nesse enorme batalhão
Pois sei que além de flores
Nada mais vai pro caixão
Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim, eu sou assim

(Paulinho da Viola)

13.8.04

Lições

Eu tenho que aprender que eu tenho que sentar pra escrever na hora que a idéia bate. Esses dias, estava eu na cozinha quando uma idéia super legal pra um texto me ocorreu. Pensei: "daqui a pouco eu sento lá e escrevo nem que seja o rascunho...". Quem foi que te falou que eu consegui me lembrar o que eu tinha pensado? Fiquei eu sentado na frente do computador, o editor de texto olhando pra mim inquisitivamente e eu com cara de mané...
Depois eu fico me cobrando escrever... Quem é que pode escrever sendo um preguiçoso de carteirinha?
Humpf!

7.8.04

Bluer than Blue

After you go
I can catch up on my reading
After you go
I'll have a lot more time for sleeping
And when you're gone it looks like things
Are gonna be a lot easier
Life will be a breeze, you know
I really should be glad
But I'm bluer than blue
Sadder than sad
You're the only light
This empty room has ever had
Life without you is gonna be
Bluer than blue
After you go
I'll have a lot more room in my closet
After you go
I'll stay out all night long if I feel like it
And when you're gone
I can run through the house screaming
And no one will ever hear me
I really should be glad
But I'm bluer than blue
Sadder than sad
You're the only light
This empty room has ever had
Life without you is gonna be
Bluer than blue
I don't have to miss no TV shows
I can start my whole life over
Change the numbers on my telephone
But the nights will sure be colder, and I'm
...Bluer than blue
Sadder than sad
You're the only light
This empty room has ever had
Life without you is gonna be
Bluer than blue
Bluer than blue

(Michael Johnson)

Sei lá... Me deu uma tristeza...

27.7.04

Prêmio

Update:
Acatando sugestões, os prêmios passam a ser: 1 mariola mordida, 1 caceteira elétrica, 1 pênis Montreal ou um caralho de pelúcia!

 
Antenção, meus adorados leitores!
Enquanto escrevo, este humilde blog conta com 7912 visitas! Em sendo assim, resolvi premiar a visita de número 8000 com uma mariola mordida ou uma caceteira elétrica!
O vencedor poderá escolher entre esses dois maravilhosos prêmios patrocinados pela Velho Mago Inc.

13.7.04

Da Saudade e do Tempo

Depois de um longo e tenebroso inverno, consegui, finalmente, assistir ao documentário “Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje”. Outra hora eu falo do filme ou escrevo uma daquelas minhas parcas críticas cinematográficas que ninguém lê.
O que me chamou a atenção foi uma descoberta que fiz: eu não tenho saudade.
Uma vez constatado o fato, abri outra cerveja, acendi mais um cigarro e me pus a pensar na coisa. Abri o dicionário para ver a morfologia e o significado literal da palavra “saudade”. Segue:
“1. Sentimento mais ou menos melancólico de incompletude, ligado pela memória a situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, ou à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável.”
Para mim, bastaram as sete primeiras palavras e, na verdade, uma delas diz quase tudo: “incompletude”.
Muitas vezes, uso expressões como “tenho saudade de jogar bola na pracinha” ou coisa que o valha, mas na verdade não é saudade. Eu não gostaria de ter dez anos de novo. Nem dezoito, nem três. Penso no meu passado com muito carinho, muito afeto e procuro não repetir algumas burradas que cometi lá. O que passou, virou história, aprendizado. Pessoas também passaram e continuam passando pela minha vida e fazendo parte e construindo comigo a minha história. Umas chegam e vão, outras chegam ficam um tempo e também se vão. Mas as mais importantes são as que marcam. As marcas que carregamos são indeléveis e nem a implacabilidade do tempo pode apagar. Da mesma forma, não sinto saudades. Da mesma forma, penso nas pessoas que se foram com muito carinho e respeito. O que deveria ser vivido naquele tempo com aquela pessoa, foi completo, me bastou, me fez completo.
Recentemente encontrei pessoas de um passado nem tão distante assim. Gente de colégio, gente de quem gosto muito mesmo! Claro que a conversa girou em torno das coisas desse passado. Me vinham imagens e boas sensações daquele tempo, mas o tempo ficou lá. As pessoas reapareceram, mas a união, a cumplicidade que se tinha naquele tempo, não existem mais. As pessoas seguem seus caminhos. Existe o carinho por termos dividido uma época tão rica na vida de qualquer um. Época de experimentações, afirmações, medos, dúvidas muito mais intensos do que hoje.
Mudando um pouco, mas não completamente de assunto. Reparei, nessa aventura de reler meus textos antigos, que escrevo muito sobre mares, rios e sobre o tempo. Mar e rio são metáforas para o próprio tempo e confesso que muitas vezes usei dessas metáforas sem saber desse significado.
O tempo não pára, a vida não pára. Sentir saudade é uma forma de se tentar ficar lá naquele tempo e isso interrompe, vai contra o sentido da própria vida. Como dizia Heráclito a vida é um fluxo de constante movimento (como o rio, como o mar). Eu tenho problemas com o tempo. Nunca quis que o tempo parasse. Sei que tenho problemas em administrar meu tempo, mas vou aprendendo enquanto sigo essa minha vereda.

“A única coisa que nos cabe decidir é o que fazer com o tempo que nos foi dado”
Gandalf

“O tempo perguntou ao tempo, quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.”
(Se alguém souber o autor, este velho e alquebrado escriba agradecerá a contribuição)

“Meu tempo as vezes se perde
Em coisas que não desejo...”
Retiro – Paulinho da Viola

"O vento empurra o barco, mas quem escolhe o rumo é o timoneiro"
Marcio Brito

8.7.04

Do Beijo

- Meu bem, me dá um beijo?
- Assim, sem mais nem menos?
- É que me deu vontade de esquecer o mundo...

1.7.04

Das Definições. Parte I

Gemidos: palavras que se começa a dizer, mas no meio do caminho, já se tem certeza de que o outro entendeu e a necessidade de completá-las se esvai!

28.6.04

Aniversário

Um ano. Ontem, dia 27 de junho esse blog completou um ano de existência. Passei os dias que antecederam esse aniversário me dedicando a ler tudo o que escrevi desde o começo, desde o dia 27 de junho de 2003 e me diverti bastante.
Tudo começou quando o Mago já estava agonizante. Eu já estava cansado do personagem e queria continuar escrevendo, mas não lá. Não escrevendo o que eu escrevia. Decidi que seria interessante falar sobre descobertas minhas sobre o mundo, sobre mim, sobre os outros. Achei que seria mais interessante ainda ter gente que pudesse contribuir com suas próprias descobertas, enriquecendo assim o blog. Acabou não dando certo por diversos motivos, mas resolvi continuar com a coisa assim mesmo tendo como colaboradora a já conhecida Menina da Torre que aparecia esporadicamente pra escrever. Sempre fui admirador dos textos e da própria Menina da Torre e, um belo dia, mostrei a ela um continho que eu tinha escrito a respeito de uma cena no metrô da qual fui protagonista e ela, com toda a propriedade me disse:
- Por que você não publica isso, caralho? Ficou ótimo!!
- Pô... Taí! Vou publicar mesmo!
Fiquei surpreso com a quantidade de gente que tinha gostado do conto. Como algumas pessoas sabem, eu sou meu crítico mais ferino e isso me impediu de publicar muitas coisas aqui. Principalmente no começo quando eu não tinha segurança no que escrevia. Hoje, um pouco menos inseguro nos meus textos, escrevo e quase não percebo. O que antes era um certo esforço, hoje sai naturalmente. Há muito já não tento domar minhas palavras e nem tento direcionar a escrita. Simplesmente deixo as coisas fluírem, as estórias surgirem e seus personagens ganharem vida nessas parcas linhas que escrevo.
Um ano. Em um ano vi blogs morrerem e blogs nascerem. Vi a minha forma de escrever mudar muito e ainda vi gente que mudou a forma de escrever depois que passou a me ler (apesar de não reconhecer. Acontece... eu acho.). Conheci gentes e conheci gente. Fiz amigos. Uns ficaram no caminho, outros estreitaram os laços de amizade. Ganhei e perdi. Gente que me ajudou a escrever melhor, a superar crises. Gente que me mostrou tanta coisa sobre mim tendo somente lido meus textos. Gente que me encanta. Aqui me expus, contei fragmentos da minha vida, contei minhas angústias, tristezas, frustrações, alegrias, paixões. Vi uniões e separações. Falei sobre música e cinema que são minhas grandes paixões. Me apaixonei, quebrei a cara e nunca odiei ninguém. Talvez a mim mesmo em certos momentos. Confesso que não posso mais ter contato com algumas pessoas. Ainda me é muito doloroso... Mas não guardo rancores. Essas coisas envenenam e descobri que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Um dia, quem sabe eu escrevo sobre isso. Ou não. Tem coisas que é melhor a gente não mexer mais. Pode ser que a ferida se abra de novo e a dor volte ainda mais intensa. É... Melhor esquecer.
Confesso também que perdi um pouco do tesão de escrever. Mentira. Perdi o tesão de escrever e publicar aqui. Tenho escrito muito. Minha vida chegou a um momento de mudanças estruturais que eu estou achando o máximo. Vou voltar a fazer coisas que nunca deveria ter deixado de lado e resolvi fazer outras que nunca tinha feito. Percebi que a vida premia a ousadia e resolvi ser ousado.
Sou um sujeito que cria raízes. Criei aqui, mas essas eu vou ter que cortar. Preciso canalizar essa minha criatividade para outro lugar. Fazer outras coisas. Dar um rumo nessa minha vida. Tenho sonhos e chegou a hora de correr atrás deles.
Não vou parar de publicar alguns textos aqui, mas a freqüência vai diminuir drasticamente. Tenho muito carinho pelos meus textos e pelos que me acompanham. Meu e-mail está ali em cima e o endereço é também meu MSN. Apareçam se quiserem.
Pra terminar, resolvi postar uma música que passei anos caçando. Sabia quem tocava, mas não sabia o nome da música e nem entendia direito a letra. Com uma ajuda do pessoa da Rádio Antena 1 daqui do Rio, descobri que a música é Talking Out of Turn do The Moody Blues.

When I took a little loving from you
Oh I, never thought about the hurting inside
But I took a little more than I should
Oh why, can't explain that I ever would
Let you slip through my fingers
Let you escape like yesterday
I would appreciate you knowing
I thought your love had come to stay

Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn
Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn

But I took a little more of your each day
When I didn't see that I was breaking you apart
With angry words of love I didn't mean
Oh why, can't believe that I ever would
Talk myself out of tomorrow
Talked like a fool to yesterday
And as the evening loses colour
Your love began to fade away

Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn
Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn

Talking out of turn
Talking out of turn

If I upset you
I didn't mean to hurt you
I didn't mean to make you cry
I don't need an alibi
To start me talking out of turn

When I took a little loving from you
Oh I, can't believe that I ever would
Let you slip through my fingers
Let you escape like yesterday
I would appreciate you knowing
I thought your love had come to stay

Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn
Talking out of turn
Shot to pieces
When will I learn

3.6.04

Futuro do pretérito mal feito

Sempre se pegava absorto, pensando no passado e na falsa segurança que este trazia. Olhava fotos antigas e seus olhos se enchiam de lágrimas como se vivesse o passado agora. Sentia-se seguro no passado quando era querido, amado e divertido. Em momentos como esse a vida lhe parecia calma e feliz. Vivia seu presente no passado, seu passado no presente. Hoje era apenas mais um. Visto como um louco, inconstante e piegas.
Certo dia olhou para o futuro e não viu nada mais que seu próprio reflexo envelhecido, triste e solitário. Não sozinho, mas solitário. Não queria viver o futuro. No futuro, continuava cometendo os mesmo erros, mas tinha mais dificuldade em se reerguer quando lhe puxavam o tapete ou quando ele tropeçava em sua própria pressa em se revelar, se resolver, se conhecer.
Em outro dia, curioso para saber se algo mudara em seu futuro, viu uma pessoa próxima. Era uma mulher. Bonita, de sorriso largo e sincero. Foi apenas um flash que vira. Sabia que mesmo que aquilo acontecesse, seria fugaz. Não criava mais ilusões a respeito de seu futuro. Sabia que daria um jeito de estragá-lo. Como fez ao longo de toda a sua vida.
Andava nu pelas ruas da cinzenta cidade. Era assim que se sentia com sua “arte”. Como se estivesse exposto aos olhares curiosos dos transeuntes que comentavam, censuravam ou aplaudiam. Sim. Havia quem aplaudisse mesmo que hipocritamente. Nesse dia, a mulher refletida ao seu lado no futuro, passou por ele. Apresentou-se, conversaram, mas como sempre, falara demais. Ela, por algum milagre, não percebera ou talvez fingisse não perceber.
Ele, mais uma vez, tinha se auto-sabotado. Perguntava-se se teria visto o futuro ou só mais uma repetição do passado. Um eco de um grito abafado em seu frágil peito de vidro. Coitado... De tão frágil, fino e transparente, começava a vazar. Uma pequena rachadura que ele tampou com o dedo. Mais uma rachadura que tampou com outro dedo até que não havia mais dedos para conter o vazamento. Vazio, foi pra casa catando os cacos de seu peito pelo caminho. Já na casa que não era sua, deitou-se na cama de outra pessoa e chorava lágrimas que já haviam sido derramadas.

2.6.04

Classificados

Vendo coração.
Vinte e muitos (quase trinta) anos de uso. Ventrículos em perfeito estado de funcionamento. Tem a péssima mania de se apaixonar pelas pessoas erradas e adquiriu diversas cicatrizes devido a essa pequena falha. Encontra-se um pouco mofado, mas nada que manhãs de sol, boa música, livros ou filmes não possam dar jeito. Desanda a bater acelerado quando perto do objeto de afeição. Fiel, companheiro e cúmplice. Por fora não parece grande, mas cabem muitas pessoas confortavelmente. Dou preferência àqueles que tiverem a auto-estima em um nível que não o torne babaca nem o endureça. Tratar aqui mesmo!

31.5.04

O Retorno

Andava eu pelas ruas do Rio de Janeiro. O dia estava bonito com o sol amenizando o frio do inverno (?) carioca. Sentei-me num banco da orla de Ipanema e admirava o encontro de céu e mar quando um vento forte trouxe nuvens. O céu tornou-se plúmbeo e raios cruzavam as nuvens. Tomado do mais legítimo pânico, me escondi debaixo do banco quando uma voz tonitroante dirigiu-se a mim:
- Sai daí de baixo, frouxo!
- Quem é?
- Sou eu, o Mago! O Velho Mago!
- Mago? Por onde andavas?
- Ah! por aí... Entrei em contato contigo pois quero que sejas meu arauto! Avise à plebe ignara que EU voltei para sanar o males da humanidade!
Desde esse dia, sou o arauto desse cara aqui

20.5.04

As Letras Aprisionadas

Olho a branca folha em branco e suspiro. Depois olho para dentro de mim e vejo um bilhão de letras se espremendo para cair sobre a branca folha, mas a porta está fechada. Levanto-me e dou voltas pela casa procurando pela chave. Não encontro. Procuro no fundo do copo e na guimba do cigarro, mas a chave também não está lá. Resignado, me recolho para tentar dormir, mas as letras se agitam dentro de minha cabeça, fazem barulho e não me deixam nem cochilar. Peço que se calem e elas se recusam. Ouço um barulho e descubro que as letras tinham arrombado a porta e se espalhavam pelo chão. Levanto-me desesperado tentando recolhe-las, mas elas são rápidas demais e se atiram sobre a branca folha agora não mais em branco e dizem: “SOMOS MAIS FORTES QUE SUA DEPRESSÃO, SEUS PORRES OU SUA SOLIDÃO!”
Desde então, parei de trancar a porta. Fecho os olhos e as letras tomam vida em folhas coloridas.

19.5.04

Medida Provisória

A PARTIR DE HOJE OS VÔOS PRESIDENCIAIS SAIRÃO DO AEROPORTO DE VIRACOPOS.

13.5.04

A Sala

Dentro da mínima sala, o pequeno e esquálido homem sentava-se no chão abraçado aos joelhos. Tinha como testemunha de seus pensamentos, o próprio assento e a rachadura no teto em forma de cachorro que resolvera chamar de Fred. Já não sabia há quanto tempo não via outra paisagem senão as marcas de infiltrações e as rachaduras nas paredes que o encarceravam. Imaginava que horas seriam, pois ouvia passos do lado de fora da porta de ferro batido.
Algumas vezes, uns homens entravam na sala. Mandavam-no ficar de costas para a porta e um dos homens o vendava. Ficavam muitas horas perguntando coisas sem sentido: “Onde está a bomba?” “Para quem você trabalha?” “De qual célula você faz parte?” “Quem são seus comparsas?”
No princípio ele respondia o que sabia, ou seja, nada. Depois de muito tempo sendo interrogado e respondendo o que os homens não queriam ouvir, resolveu calar-se por completo para descontentamento de seus interrogadores. Depois que eles saiam, ficava conversando com Fred durante horas. Por vezes achava que todas as suas faculdades mentais o haviam abandonado, mas rapidamente se convencia do contrário. Lembrava-se de seu nome, seu endereço, da casa onde morou, dos vizinhos.
Em verdade, lembrar-se de sua vida era tudo o que lhe havia restado, além de conversar com Fred que já tinha se tornado um grande amigo e confidente. Contava à figura de cachorro no teto seus segredos e medos mais profundos. Coisas que ele escondia até de si mesmo como o filho que tivera e abandonara, o homem que teve que matar, o medo de morrer só. Sendo que esse último já estava superado. Sabia que estava na sala para morrer. Poderia até ser de velhice, mas morreria se tivesse sorte.
Um dia, escutava os passos do lado de fora e os homens pareciam mais apressados. A porta se abriu com violência e, pela primeira vez, vira os homens. Vestiam uniformes negros. A sombra dos quepes cobria seus olhos de modo que só se via órbitas negras e ainda carregavam pistolas em coldres presos em suas cinturas. Dois homens entraram primeiro parando à frente da porta. Logo em seguida, com passadas lentas e controladas, um jovem comandante entrou também.
- Eu sou o Comandante Hessler – disse pausadamente. A voz dura e firme do comandante feriu-lhe os ouvidos – As coisas vão mudar aqui, meu caro. Quero que você responda a todas as minhas perguntas. Levante-se! – O pequenino homem levantou-se com dificuldade. A luz que penetrava pela porta incomodava seus olhos fazendo-os arder. – Vire-se para a parede! – Ordenou o comandante. O homenzinho, em pé no centro da sala não se moveu.
- Vire-se!!
Sem esperar mais, o comandante sacou de sua pistola e acertou um único e certeiro tiro bem no meio da testa do homem que ousara desafiar suas ordens. Em silêncio os três homens deixaram a sala e rumaram para o gabinete do General onde o Comandante Hessler faria seu relatório.
O impassível general escutou todo o relatório de Hessler sem piscar e ao fim, dirigiu palavra ao seu sobordinado:
- O senhor é burro, comandante? – Hessler gagejou:
- Co-como, senhor?
- Uma sala tem quantas paredes, idiota?
- Qua-quatro, senhor...
- Então o prisioneiro não desobedeceu a sua ordem! Tínhamos razões para acreditar que, em breve ele estaria pronto para nos dizer tudo! Comandante?
- S-s-sim, senhor...
- Considere-se exonerado!
Dias depois o corpo do Comandante Hessler trajando seu uniforme de gala, foi encontrado em sua residência. Pendurado pelo pescoço a um nó de forca preso a uma viga do teto. A carta que pairava abaixo das lustosas botas negras, tinha grifada as palavras "exoneração desronrosa".

12.5.04

Já não me vejo, não me tenho como antes,
A vida ganhou um papel muito grande.
Contorno teu contorno,
Sinto teu olhar de perto e por dentro
Corro risco de vida
E nem o medo me impede.
O sentimento humano
Nunca se solidificará
Nunca se sentirá concreto
Presencio tua ausência.
Solidifiquei-me em teu corpo,
Duramente sobrevivi em teu coração,
Bombeando-me, líquida,
Em breve destino...
Evaporei-me junto com teu silêncio.
E eis que me senti viva.

7.5.04

Dersú Usalá (atendento ao carinhosíssimo pedido de uma leitora, e porque não, amiga)

Uma vez eu comentei aqui que eu queria ser Akira Kurosawa. Acabei de descobrir que queria ser uma mistura do Kurosawa com Andrei Tarkowski. Mas isso não vem ao caso, pois estamos aqui para falar de Dersú Usalá, que é do Kurosawa.
O filme é uma produção russo-nipônica de 1975 que, não por acaso, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1976. Vale ressaltar que o filme veio logo após uma fase de depressão de Kurosawa (dizem que por causa do fracasso no Japão de seu filme anterior – Dodesukaden – de 1970) que resultou numa tentativa de suicídio frustrada.
O filme conta a história (real, diga-se de passagem) da amizade do Capitão Vladmir Arseniev (Yuri Solomin), líder de uma expedição enviada à fronteira da Sibéria com a China a fim de realizar um levantamento topográfico da região, e Dersú Usalá (Maksim Munsuk), um caçador que vive da e na floresta daquela região.
Dito assim, o filme pode parecer desinteressante. Mas lembrem-se: é um Kurosawa! E como um bom Kurosawa, o filme apresenta movimentos sutis de câmera, longos planos, fotografia primorosa, profundidade de personagens e, conseqüentemente, das relações entre eles.
É interessante ver como o escárnio e a descrença da tropa em Dersú, se transforma em respeito e admiração pela simplicidade e conhecimento que carrega o pequenino velho de pernas arqueadas, olhar vivo e fala apressada.
Dersú Usalá é pura poesia em movimento. A integração do homem com a natureza e a amizade entre os dois protagonistas é retratada de forma magistral por aquele que este velho e alquebrado escriba, considera um dos cinco grandes diretores da história do cinema mundial.
Em uma nota mais intimista, gosto de acreditar que Kurosawa dirigiu e escreveu um filme tão tocante e tão bonito depois de ter descoberto (ou re-descoberto) a vida. Acho que a partir do momento que se viu vivo, escreveu uma história de aproximação dos homens. Não a aproximação que hoje chamamos de “globalização”. Mas a aproximação de uma pessoa da outra. Sem máscaras, nem fingimentos. Somente o respeito e admiração pelo próximo.

4.5.04

Fotas

Pra quem não viu as fotas publicadas aqui, clica aqui e vê lá!


Retiro

Meu tempo às vezes se perde
Em coisas que não desejo
Mas não repare esse lado
Pois meu amor é o mesmo
Nos momentos de carinho
Eu me desligo de tudo
Nos braços de quem se ama
É fácil esquecer o mudo

Às vezes eu me retiro
E nada me faz sentido
Só há um canto na vida
Aonde eu me refugio
Afasta as sombras que eu vejo
Nos teus olhos tão aflitos
Você conhece minh’alma
E quando quer me visita

(Paulinho da Viola)

2.5.04

Cara nova

Gente boa,

Acabei de voltar da Maromba e vou publicar fotinhas mais tarde!

25.4.04

Recuperação

A tentativa de suicídio do Descobri foi evitada graças ao carinho de alguns amigos. O corpo do blog foi encontrado ainda com vida deitado ao lado de um frasco de aspirinas infantis com formato de bichinhos.
Depois de levado para o pronto-socorro, o blog agora está em fase de desintoxicação e recuperação podendo ter alta já nessa semana.
Uma vez recuperado, haverá um coquetel de reestréia a acontecer no dia 03 de maio do corrente ano. Todos estão convidados.
A festa será regada a Cidra Cereser, "cocrete" e quantidas estúpidas de cajuzinho. Querendo evitar que bolsos de paletós e bolsas se encharquem com a gordura e o açucar dos víveres oferecidos, um saco plástico será distribuído na entrada para que os convidados possam levar para casa um pouco da festa.
Alguns contratos já foram fechados: Falcão será o Mestre de Cerimônias e Rosana fará uma participação especialíssima cantando "Como uma Deusa" (tentei contratar a Joanna, mas ela já tinha compromisso). Após o show, o D.J Meciê Limá comandará as carrapetas com o melhor da Retrospectiva Furacão 2000.
Aguardo todos aqui no dia 03 de maio.
Um beijo no gato e um chute nas crianças!!

19.4.04

Carta de Suicídio

Seguinte: não faz mais sentido ficar enganando vocês. Há tempos que eu não consigo escrever nada de razoável para colocar aqui. Minha vida está uma bagunça fenomenal e como a grande maioria das pessoas, meus textos refletem coisas da minha vida e não dá para escrever bagunça e sofrimento. Preciso de um tempo para me reerguer.
Tenho andado muito cansado de mim mesmo. As mesma dores, as mesmas desilusões, a mesma falta de perspectiva, coração repleto e a vida vazia.
Conheci gente muito boa nesse quase um ano de Descobri. Gente que me acompanhou desde o começo e até desde antes do começo quando eu escrevia o Mago. Gente que me ajudou a escrever melhor (se é que isso é possível) e a ver os meus textos por um outro prisma.
Foi ótimo tê-los aqui compartilhando, xingando, rindo, brincando, chorando. Foi fantástico saber que até gente de outros países acompanhavam minhas aventuras e desventuras. Gente de Portugal, Estados Unidos, Uruguai, Japão e de um país chamado “Unknown” (hehehe) que representa 1,6% das visitas.
Bom... é isso aí. “Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí levando um violão debaixo do braço”.
Ainda apareço pra deixar meus impertinentes comentários nos blogs alheios. Fiquem bem e lembrem-se dos meus sábios ensinamentos: rapadura é doce, mas não é mole não!
Beijos enormes e abraços apertados,
Marcio

13.4.04

Crítica

Vocês já leram a crítica que a Cathy fez de um texto meu lá no Despenseiros da Palavra? Não? Como assim? Clica aqui e vai lá logo!!

10.4.04

The Beauty of All Things

There is something within you.
There is something in everything that is:
Unbelievable beauty, flowing from deep inside.
Don't be shocked or surprised if I lift your disguise.
Realize
that I can see it in all things, all,
but especially you.

There is something we carry,
Like a rhythm that tells us who we are.
It's the rhythm of living. Hear, and we'll come to see
who we can really be-fore Time erases time.
It's sublime.
And I can see it in all things, all, but especially you.

The time is upon us to lose our indifference.
For Time isn't holding us anywhere. I declare:
Life gives savoir faire.
Clean the windows of your inner star
And see things as they are:
An infinity of light like a torch in the night.
For the Sun and the Moon and the Stars
Are living within you.
You are shining in everything that is.

Here's what I see in your eyes right now:
Ten thousand lives over many years like leaves on the vine of this morning's glory,
The determination of years coming to fruition
In the ever-present now of your life, unfolding now in the flowering of days.
The constellation of stars in the sky are like a fugue of light in velvet hands.
The melody never ends, echoing again and again.
Nearer still sounds a melody leading through darkened rooms,
Playing like the Sun on the water; like its reflection in your downcast eyes.
When will you come to see you like I do?
And know you like I do? And hear you like I do?
And love you like I do?

(Laurence Hobgood/Kurt Elling)

7.4.04

Tai-Chi é muito bom!! Tenho dores por todo o corpo! Alguém tem um bom analgésico aí?

6.4.04

Pequena correção: é amanhã, quarta-feira que começa!
Agora é sério: na próxima quinta-feira começo as aulas de Tai-Chi Chuan!!

27.3.04

Rosa

Tu és divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus Esculturada E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu
Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
És todo resplendor da santa natureza
Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção de tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer.


(Pixinhguinha/Otávio de Souza)

22.3.04

A Santa Sexta-Feira e o Show do Jethro Tull

Passava um pouco da 19:30 de sexta a noite. Eu estava sentado ao computador esperando uma pessoa aparecer no MSN quando meu telefone toca. Era Pedro – meu fiel escudeiro.
- Preguinho, quer ir no show do Jethro?
- Pô neguinho, to duro feito côco!
- Caralho! Eu perguntei se você quer ir ao show e não se você tem dinheiro!
- Claro que eu quero, porra!
- Daqui a vinte minutos eu te ligo!
Sento-me ao computador mais uma vez para esperar. O telefone toca de novo. De novo era Pedro – meu fiel escudeiro – cantando no meu ouvido:
- “Sitting on a park bench”
- Vai rolar?
- Vai! Lá pelas dez e pouco a gente passa aí!
Dilema... Eu precisava muito, mas muito mesmo falar com a pessoa que eu estava esperando e nunca tinha visto um show do Jethro! O que fazer, meu pai?
Eis que a pessoa que eu estava procurando aparece. Contei meu dilema e ela, adoradora de Jethro também, me manda ir ao show. Tínhamos perto de duas horas para conversar e foi o que fizemos. O que foi dito? Só a gente sabe! Mas as coisas se resolveram da melhor maneira possível! A hora fatal chegou. Nos despedimos, passei pela geladeira pra pegar cerveja para o povo que estava chegando. Desci, entrei no carro e nos dirigimos para a Barra da Tijuca – o cu do Rio de Janeiro.
Ano de eleições para a prefeitura dos estados da confederação é uma merda! Na esquina da Jardim Botânico com Pacheco Leão, as obras permitiam que somente um carro por vez passasse. Tanto de um lado como do outro. O show começava as 22:30 e as 22:15 estávamos presos na rua Jardim Botânico. Alguém aí sabe o que é o transito normal da rua Jardim Botânico? Agora imagina quando só passa um carro de cada vez. Imaginou? Agora some-se a isso a nossa angústia pra chegar logo na casa de shows do Rio que mais mudou de nome (qual é o nome mesmo?).
Felizmente, ao passarmos pela rua Pacheco Leão, o trânsito melhorou e em poucos porém angustiantes minutos, chegamos ao Via Parque. Adentramos o estacionamento do shopping e... quem foi que disse que tinha vaga? Rodamos, rodamos, rodamos e estacionamos perto de um jardinzinho. Comentei:
- Foi impressão minha ou tinha uma fila enorme de gente na porta?
- Deve ser gente saindo do shopping e pagando estacionamento...
Claro que não! Era fila mesmo! Comentei:
- Bom... com esse monte de gente do lado de fora, o show não deve nem ter começado ainda! – Um carinha que estava na nossa frente vira-se para trás e, com toda a propriedade nos informa:
- O show já tá rolando há uns quarenta minutos!
Depois de superados todos os percalços, entramos no “não-sei-das-quantas” Hall e, como fora anunciado pelo arauto da desgraça anteriormente, o show já tinha de fato começado. Fomos nos embrenhando naquele mar de gente tentando achar um lugar que desse pra ver o palco. NOTA: nunca vi um show de Rock and Roll onde, na frente do palco ficam várias mesas e o povo roqueiro mesmo, se espremendo lááááá trás! Nunca vi isso na minha vida!
Bom, estávamos lá, o show estava rolando, a cerveja era Brahma (eca!) e custava cinco dinheiros. O garçons quase morreu de rir comigo:
- Quanto é a cerveja, irmão?
- Cinco dineiros!
- Uma só?
- Uma só!
- Putamerda! E é Brahma ainda por cima?? Bom... já que não tem tu, vai tu mesmo!
Nesse momento, Ian Anderson pára para conversar com a platéia e eu dou um berro histérico:
- SONGS FROM THE WOODS!!!
Não é que ela atacou de Songs from the Woods?
O show foi ótimo! Nota 10!! A organização do evento... nota 0!
Mas o que importa mesmoé que, durante todo o show, eu só pensava naquela pessoa. E dancei! Pra quem me conhece sabe que isso é raaaaro... Mas lá estava eu. Dançando! E só dançava porque pensava naquela pessoa e no quanto ela gosta de dançar!
Que foi? Tô feliz, oras!

17.3.04

Basta um Dia

Pra mim
Basta um dia
Não mais que um dia
Um meio dia
Me dá
Só um dia
E eu faço desatar
A minha fantasia
Só um
Belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

Só um
Santo dia
Pois se beija, se maltrata
Se come e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia, viu
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

(Chico Buarque)

12.3.04

Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

(Chico Buarque)

10.3.04

Velho

- Abre! É pra você!
- Não imaginei que fosse pra sua mãe!
O velho, sentado em sua poltrona, admirava estático o cuidadoso embrulho feito pela moça da livraria. As mãos trêmulas pelos anos de tabagismo e intimidade com a garrafa começaram a desfazer o laço.
- Ah! Você é desses? – Perguntei me divertindo.
- Desses?
- É! Desses que desfazem o laço e vão abrindo o embrulho cheio de cuidados! Se você soubesse a agonia que isso causa em quem te dá o presente...
- Já fui moço e tive pressa! As coisas hoje me parecem mais divertidas quando feitas vagarosamente.
Velho. Era assim que eu o chamava. Coisa nossa. Na verdade, ele já era velho de espírito antes de sê-lo de fato. Lembro de quando perguntei sua idade e ele, rabugento como sempre, respondeu:
- Dez anos a mais que meu corpo!
Comecei a acreditar que ele jamais abriria o maldito embrulho e sabia que ele o abria devagar só pra me irritar. Passei a ter certeza disso quando reparei que ele colocara o livro a frente do rosto e me espiava por cima do mesmo fazendo força para não rir da minha angústia. Depois de mais alguns agoniantes instantes, o papel de embrulho enfeitado com vários Garfields caiu ao chão e um silêncio denso pairou sobre a sala. Pude ver que os grandes olhos verdes do Velho estavam marejados por trás das grossas lentes. Lentamente ele levantou a cabeça e me fuzilou com o olhar:
- Imbecil! Isso certamente custou uma pequena fortuna! Fortuna essa que deveria ter sido empregada num belo e romântico jantar com sua namorada!
- Também te amo, Velho! Que bom que você gostou!
O livro em questão era um exemplar da primeira edição de O Ser e o Nada de Jean Paul Sartre, escritor preferido do Velho e que de fato tinha me custado muitos meses de horas extras. Valeu à pena. Velho era escritor e já tinha algumas centenas de trabalhos publicados. Obras existencialistas e sobre realismo dialético. Havia se formado em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e por volta de 2007, já depois dos 30 anos de idade. Aos 35, fora convidado pelo governo francês a fazer um doutorado em Sorbonne, o que o obrigou a abandonar as escolas em que lecionava história e filosofia para o segundo grau. Foi assim que o conheci. Em uma branca sala de aula do Centro Educacional Anísio Teixeira, o ainda jovem professor entra em sala vestindo uma surrada calça jeans, tênis e uma camiseta com uma desbotada gravura de O Grito estampada no peito. Jogou sobre a mesa uma pasta de couro repleta de livros, textos e anotações que carregava a tira-colo. Olhou para a turma de aproximadamente 40 alunos e disparou:
- Bom dia, criaturas acéfalas! Sim! Acéfalas! Com o passar dos anos e com a minha tutela, os senhores se tornarão criaturas capazes de portar alguma coisa parecida com um cérebro dentro dessa cachola vazia que paira sobre seus pescoços! Sem mais delongas, quero que os senhores, por escrito, me entreguem seus nomes, idade, o último livro que leram e o livro que mais gostaram em todas as suas vazias vidas!
Os alunos se entreolhavam apavorados, cochichavam e murmuravam enquanto o Velho abriu a porta da sala, encostou-se ao batente e fumava um cigarro soltando a fumaça para fora da sala.
- Professor? O senhor vai fumar aqui? – perguntou um incauto aluno
- Vou não! Já estou fumando aqui! Algum problema?
- É que eu não suporto cheiro de cigarro...
- Ótimo! Fica sem respirar! Fiquem avisados, senhores: aqui dentro desta sala de aula não existe democracia! Exerçam a democracia em seus lares, no futebol de rua ou em qualquer outro lugar. Aqui dentro é uma ditadura comandada com mão de aço por este que vos fala!
Confesso que esse primeiro encontro foi um pouco traumatizante, mas no decorrer daquele ano, Velho foi mostrando quem ele realmente era: um pai pra muitos de nós e carrasco para outros tantos.
Certo dia, mais da metade da turma tinha matado aula para beber cerveja numa birosca perto do colégio. Velho deu sua aula para a metade presente (eu estava na metade da cervejada) e depois disso foi até a birosca. Entrou fingindo que não tinha nos visto, pediu duas cervejas, pegou um copo e sentou-se entre nós. Do meu lado, para ser preciso. Olhou um por um na roda, encheu seu copo passando as garrafas para que nos servíssemos, ergueu seu copo, brindamos e todo o conteúdo do copo foi sorvido em poucos segundos.
Fazia um calor rubro naquela tarde de julho. Velho conversava conosco e citava poetas, filósofos, falamos sobre música, cinema, literatura, artes. Seu discurso era sempre inflamado e apaixonado o que nos fazia prestar atenção naquele jovem velho que dizia odiar os modernistas e, principalmente, os pós-modernistas. Dizia que seu gosto musical começou em 1920 e parou no comecinho da década de 80 fazendo pouco caso e criticando todos os nossos ídolos. Numa análise mais profunda, acho até que ele se divertia com isso! No fim da tarde nos disse:
- Essa época que vocês estão vivendo é muito especial. Cultivem suas amizades, leiam MUITO e de tudo que passar por essas mãos, namorem e bebam com responsabilidade, tratem bem o outro, cuidem do nosso meio ambiente, sejam engajados em alguma causa que vocês acreditem piamente, tratem as mulheres com muito carinho e respeito. É nessa época da vida de vocês que seus valores, sua moral e sua ética estão se formando. Não desperdicem isso, não se tornem pessoas vazias e lembrem-se: a felicidade está na busca pelo seu sonho e não na realização do mesmo. - Velho pagou nossa conta e se foi cantarolando Ventura Highway. Fiquei observando o passo forte e decidido daquele homem que se tornaria meu ideal de vida.
Isso foi há muitos anos e nunca perdemos contato. Semana passada fui visitá-lo no hospital. Perecia que a velhice física o havia alcançado. Continuava rabugento como sempre mas de uma forma mais branda. Conversamos amenidades por cerca de uma hora até que Velho ficou cansado e me pediu para que eu fosse para casa.
Morrera ao longo daquela noite, foi o que a mocinha do hospital me contou pelo telefone. Ela me contou também que ele tinha deixado uma carta para mim. Corri até o hospital e ao entrar no seu quarto, vi a carta sobre a cama. Abri e li:
Animal,
Não quis te contar mas sabia que não passaria da noite então, quando você se foi, escrevi essas linhas tortas não sabendo muito bem o por quê.
Quero que você seja o guardião de tudo que foi meu: meus livros, discos e escritos. Sei que estarão bem guardados com você.
Enquanto escrevo, lembrei-me de uma vez quando você me disse que queria ser igual a mim e que respondi em alto e bom som: ‘Impossível, Animal! Impossível!’
Saiba que continua achando impossível existir alguém igual a mim mas, rest assure que tu te tornaste uma pessoa melhor do que eu tenha sido em qualquer momento da minha existência.

Do pai que nunca fui para o filho que nunca tive!

Um forte abraço do
Velho
”.

O que dizer dela?

E o que dizer dela, nua em pêlo,
pêlos ouriçados pela proximidade dele?
O que dizer dela, que ofega
e desfalece de olho aberto,
boca receptiva e
nua em pêlo?
O que dizer dele,
que com todos os defeitos-imperfeições dela,
é quem a recolhe nos braços,
cacos de dia,
e os remonta, um a um,
até ela ser outra,
nua em pêlo,
olho fechado, sono profundo.
O que dizer disso tudo,
que acontece a esmo,
dia sim outro também;
o que dizer dela?

3.3.04

Etc.

Estou sozinho, estou triste etc.
Quem virá com a nova brisa que penetra
Pelas frestas do meu ninho
Quem insiste em anunciar-se no desejo
Quem tanto não vejo ainda
Quem pessoa secreta
Vem, te chamo
Vem etc.

(Caetano Veloso)

27.2.04

Memórias

Fazia frio e chovia uma chuvinha fina naquele dia de inverno. Passava um pouco das oito da manhã; o homem de terno e gravata dentro da TV narrava as notícias em tom dramático, a chaleira apitava sobre o fogão, os gatos se enrodilhavam em suas pernas pedindo comida e no aparelho de som, George Winston tocava “Rain”.
Não pensava em nada. Olhava os pingos de chuva se transformarem em flocos de neve e dançarem até o batente das janelas. Se esforçava, mas não conseguia lembrar de nada. Era quase um zumbi: não comia, mal dormia e tentava lembrar da época em que estava vivo. “Se estar vivo é sentir, então nunca estive vivo. Ao menos, não consigo me lembrar...”.
Acendeu um cigarro e sentou-se junto à janela observando o pequeno montinho de neve sobre o parapeito. O fogo da lareira crepitava e o cheiro de café se espalhava lentamente como um fog inglês. Um frio cinza tomava conta do alto apartamento de onde se via grande parte da cidade espalhando-se em blocos idênticos, que continham casa idênticas, que continham gente identicamente contente com a segurança de uma família e um lar. Não lembrava de nada.
Um dos gatos se empoleirou no alto da estante e deitava como a esfinge enquanto o outro, num canto do sofá, dormia tranqüilamente. O telefone tocou, mas resolveu deixar a máquina atender. Do outro lado, uma voz mais do que familiar:
- Marcio, aqui é sua mãe! Eu sei que você está em casa bebendo café com vodka e fumando um cigarro atrás do outro! – fez uma pausa longa. “Desistiu”. – Meu filho, você não pode se isolar do mundo! O mundo não se resume à sua casa, cara! Há quanto tempo você não escreve? Há quanto tempo você vem dizendo que não consegue criar? Me liga quando quiser...., e logo! Um beijo!
“Não sou só. Sou livre. Me libertei de tudo que me prendia, me angustiava. Disse não! Liberdade é poder dizer não!”. Acendeu outro cigarro, recostou-se no sofá e cochilou. Seus sonhos eram agitados e em preto e branco. Sempre sonhava colorido, mas dessa vez tudo estava em tons de cinza. Imagens obscuras se fundiam às sombras, pessoas se escondiam no escuro, todos fugiam exceto por um par de olhos que o seguia. Olhava por cima dos ombros tentando ver um rosto, mas não via nada mais do que um par de olhos.
Acordou num salto com o toco do cigarro queimando seus dedos. Derrubou o cinzeiro que se espatifou no carpete espalhando cinzas e tocos de cigarro. Correu até seu quarto e ao passar por um espelho, não se reconheceu. O rosto envelhecido, a barba grande, os quilos acumulados na cintura. Não era mais a imagem que tinha de si.
Ao entrar no quarto avistou os jeans jogados sobre a escrivaninha, era o que precisava. Agarrou os jeans, correu na direção da porta de saída agarrando os sapatos e o sobretudo no caminho. Chamou o elevador e vestia suas roupas enquanto esperava. Tinha se lembrado onde vira aqueles olhos. Onde os tinha visto? Quando? Não lembrava.
Lembrou-se de uma cidade que era fronteiriça e era para lá que dirigia o carro. Seu coração batia como se fosse explodir dentro do peito. Não se lembrava de endereço ou telefone. “Louco! Louco! Se diz livre mas entregou-se a todos os charmes da burguesia para que se sentisse livre! Ridículo! Você é ridículo!!”. Sua mente vociferava, tinha um nó no estômago e as pernas formigavam. Ao chegar a duas quadras de onde acreditava ser o que procurava, largou o carro no meio da rua e corria sob a chuva que agora caia torrencialmente. Corria e não sabia se gritava ou se tinha a boca aberta num grito mudo. Sabia que corria. Escutava seus passos no chão, tropeçava em montes de neve fofa, mas continuava a correr.
Chegou a um prédio de três andares, parou em frente e gritou. A mulher sentada junto à janela do último andar ouviu. Não podia acreditar naquilo e correu escadaria abaixo. Abriu o portão e os dois se viram. “Esses são os olhos”. Caminharam lentamente um na direção do outro. Ele tentou secar o rosto com a palma da mão. Queria saber se aquilo era real. Lembrou-se de tudo! Dela. Da vida, das conversas ao telefone. Ela parou. Ele caminho até ela e disse:
- Preciso de você! Preciso viver e acho que só vou viver quando estiver com você!
Ela andou até ele, o abraçou e disse:
- Shhh... Vai ficar tudo bem!

19.2.04

Opa.

Se eu disser que estou de DIETA MONETÁRIA séria e que, em lugar da boca fechei foi a mão, eu vou pro inferno, Pai?

Pra mim, conceito de "caro e barato" é simples:
- É mais de um real?
- É um e cinquenta, mina. ( notem que estou mesmo em são paulo )
- Então não quero.

Né?

12.2.04

EU QUERO.

Descobri que existe um vibrador da Hello Kity e agora não sossego enquanto não tiver um só pra, vc sabe, colocar na mesa de centro da sala pra enfeitar.

\o/

5.2.04

Conversas que um dia chato no escritório pode gerar

Marcio: sabe qual é a pior forma de se encotrar um bicho na goiaba?
Marcio: encontrar
Daniel San: lembra o bixinho do C&P
Marcio: sei. quer responder a porra da pergunta?
Daniel San: sei não
Marcio: encontrar meio bicho!
Marcio: hahahahahahahahaha!
Daniel San: eca!
Marcio: muito engraçado!
Marcio: irc!
Daniel San: fazia anos que eu não ria tanto
Marcio: eu imagino!
Daniel San :décadas
Daniel San: desde a Guerra do Vietnã
Marcio: eu lembro de vc se descaralhando de rir no meio da guerra
Daniel San: quando servi com John Kerry, meu amigo, futuro presidente dos EE.UU
Marcio: manjo!
Marcio: sabe que ele dava muito a bunda pro dentista do pelotão?
Daniel San: estávamos num bote PC149, no meio de um alagado
Marcio: o Dr. Extração sem Dor
Daniel San: sabia, fui eu que os apresentei
Daniel San: mas, como ia dizendo...
Marcio: ah!
Marcio: sim, diga!
Daniel San: estávamos num bote, PC149, no meio de um alagado... de um lado, trezentos vietnamitas
Marcio: e aí?
Daniel San: de outro, um paredão de mata fechada sem nenhuma possibilidade de correr
Daniel San: eu podia ver a felicidade no rosto daqueles putos camponeses
Daniel San: foi quando JK me disse
- abra aquela caixa
Daniel San: eu abri, e para minha surpresa, encontrei vários saquinhos, com um gás escuro dentro
Daniel San: um gás meio verde, meio azul
Marcio: eita
Daniel San: ele disse para mim
- despeje-os na água, todos!
Daniel San: eu os despejei, enquanto os camponeses riam e engatilhavam as escopetas e metralhadoras
Marcio: e aí, e aí?
Daniel San: quando os saquinhos chegaram na borda do matagal onde os vietnamitas estavam
Daniel San: ele puxou do bolso uma espécie de controle remoto
Daniel San: apertou um botãozinho que dizia mais ou menos
- shoot her ass!
Daniel San: e boooooooommmmm!!!!!!!!!!!!
Daniel San: a mata toda se transformou numa fétida e verde-escura fumaçeira!
Daniel San: foi quando ele me disse
- comprei isto do Márcio... saca o Personal Peido-Embaleitor 74?
Daniel San: (the end)
Marcio: é verdade! me lembro de ter vendido pra ele o último carregamento!
Daniel San: foi o que salvou aquela missão americana em solo hostil
Marcio: nesse dia, eu estava num bar em Pu-tang
Daniel San: hahahahahahahaha!
Marcio: bebi tanto e comi tanto uma vietnamita que mijei fogo no dia seguinte!
Daniel San: sim, eu lembro, fica numa picada, perto de Zo-Nang
Daniel San: aaahhhh, por isso que o batalhão lhe chamava de lança-fogo??
Marcio: isso! foi uma época triste de ,minha vida!
Daniel San: então foi assim que saímos do Vietnã... num Airbus
Marcio: sim, sim... me lembro bem!
Daniel San: comprado em Feira de Sant´ana, pelo Sarney
Marcio: lembro-me inclusive, que o avião tinha uma decoração toda nordestina!
Daniel San: tava lá o velho Ulysses também,
Marcio: não foi Ulysses que queria abrir a porta do avião pra vomitar?
Daniel San: isso, as atendentes nos recebiam com aqueles chapéu-lampião
Daniel San: não, quem FEZ isso foi o Tancredo Neves
Marcio: ah é...!
Marcio: se lembra do Delfin entalado no assento?
Daniel San: hahaha! ele queria ir na asa!
Daniel San: sim, estamos apresentando o programa: RECORDAR É VIVER
Marcio:claro! estamos relembrando as histórias do nosso tempo no Vietnam
Marcio: guerra é fogo!
Daniel San: literalmente

Falar besteira nessa quantidade é quase uma arte!

4.2.04

Jabá pouco é bobagem

Fala, sangue.

Seguinte: aquele lance de meninadatorre.com tava me dando nos pacová já. Aí, chutei o pau da barraca e fiz um outro, nome nadavê, tipo ansim, pá botá os bicho pá fora, tá ligado?

Então.

Agora a Menina da Torre é A MINA CARIOCA DE SAMPA.

Já tô pedindo um template lá. Quem quiser ajudar.....
Mas ó, Chefe: fica tranquilo que eu já trouxe meus paninhos pra cá e me instalei, falou?
Daqui não saio, adqui ninguém me ti-ra.

3.2.04

A Verdade Verdadeira

Perseverar é se foder até não poder mais.

E, para quem não sabia: eu sempre estive aqui. Muito prazer, eu sou a Menina da Torre e costumo abalar Bangu. Bangu não, que é coisa de pobre. Mindinguinha. Eu abalo do Jabaquara ao Tucuruvi. Sou a rainha do Taboão. E por aí afora. Tô chique que só, me afogando em enchentes em uma das maiores metrópoles do mundo. Mas pelo menos é de se dar orgulho. " Uma das maiores do mundo" Heh.

Sou a Vice-Presidente de Operações desta pocilga até segunda ordem.
E ai de quem ousar dizer o contrário.
Estou exilada e por enquanto só mantenho contato por aqui. E não, este não é meu novo endereço. Em breve, na sua TV, a próxima novela das sete. Não perca!

30.1.04

Aquela velha idade nova.

Eram duas, as moças. Bem, "moças" é bondade, já que deviam equilibrar-se entre seus sessenta e setenta anos. Não importa. Estavam lado a lado, em um daqueles bancos de cor cinza do metrô de São Paulo. Linha Azul, estação Ana Rosa, sentido Tucuruvi, destino Sé. Quem conhece um pouco esse caos de linhas e baldeações e metamorfoses já se situou. Quem não, bem, também não tem muito o que exlicar. É mais ou menos como estar na Linha verde do metrô do Rio, na estação de Triagem, sentido Estácio, destino São Cristóvão. Ok. Mas divago.

Eram duas, as moças. Ambas enrugadas, mas as semelhanças paravam por aí. A da esquerda, tadinha, um pouco curvada, vestido de pano preto e branco, cabelo preso em coque, sandálias rasteiras de couro, nenhum acessório a não ser por uma bolsa igualmente de pano preto e olhos azuis distantes em algum ano de antes. Ou de depois. Ou de nunca mais.

Eram duas, as moças. A da direita, enrugada sim, mas o sintoma velhice só se podia perceber por este fato. Vestia jeans bordado, camisa de seda com babados, jaqueta jeans com lantejoulas, sapato bico fino e carregava em si anéis e brincos ostensivos. Tinha uma maquiagem forte, cabelos avermelhados e um esforço gigantesco em se parecer mais nova. Inquieta, não sossegava um minutos, abria a bolsa, tirava um espelhinho, ajeitava o cabelo, puxava um lenço, secava o rosto - céus, como fazia calor - , olhava o telefone, virava-se para olhar a rua, cruzava as pernas, descruzava e quem estava em volta começou a se incomodar.

Menos eu. Eram duas, as moças. E eu ali, de pé - tinha cedido o meu lugar no banco cinza para a primeira, da esquerda - frente às duas, tecendo cenas em minha mente: de onde estavam vindo? Por que eram tão diferentes? Que passado guardavam ali, estampado em cada ruga e em cada gesto - exagerado em uma e nulo em outra - e para onde estavam seguindo?

Fiquei a imaginar. Eram duas as moças. Algumas décadas atrás, a da esquerda era uma recatada moça de família. Casou-se sem amor, teve filhos por ser o percurso normal da mulher, envelheceu porque assim o tinha de ser. A outra, da direita, essa não: frequentou salões e cabarés, deitou-se com os homens que quis - e com os que não quis, por dinheiro. Viveu. Quebrou a cara algumas vezes, mas paciência. Ou poderia ser o contrário. Ou não. Sou só eu imaginando coisas.

Eu ali, frente à elas. Uma quieta, a outra irrequieta ainda. Elas me olham. E eu me imagino equilibrando-me entre meus sessenta e setenta anos, se vou ser como uma ou outra. E elas ficam ali, a lembrar de seus vinte e poucos.

E desço sem perguntar qual das duas é mais feliz.

25.1.04

Análise

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, nesse ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

(Fernando Pessoa)

20.1.04

Perguntinhas...

Vocês já repararam que eu tenho dado títulos aos meus textos?
Vocês (além do Léo) repararam que eu matei meu primeiro personagem?

13.1.04

Das memórias e seus percalços

Andava pela rua cabisbaixo repassando sua vida como se fosse uma sessão de slides. Recriava diálogos modificando-os como se acontecessem agora e pudesse incluir ou suprimir falas, fazer outros movimentos. De um certo modo, se divertia.
Uma chuva fina caia sobre a cidade emprestando uma coloração plúmbea e fria aos prédios e até mesmo ao mar que mais parecia uma continuação em movimento do céu negro e carregado. Sentou-se em um banco da orla e nem se incomodou com o contato da pedra fria e úmida contra seu traseiro. Admirava o movimento das ondas e suas memórias surgiam no mesmo ritmo: indo e voltando não dando mais tempo para que as cenas fossem reconstruídas. Simplesmente apareciam abruptamente, sumindo com delicadeza deixando suas impressões na areia e voltando para o fundo escuro de onde vieram. Sentia-se sufocado por tantas lembranças e já não conseguia mais ficar sentado, precisava se movimentar. Acreditava que assim deixaria para trás suas memórias mas não podia. “Quem sou eu sem minhas memórias? Como uma pessoa pode se sentir completa sem relembrar o que passou, o que vivi?”. Parou repentinamente e reparou que estava de olhos fechados. As perguntas cessaram assim como o ir e vir de suas lembranças. Olhou ao redor e se descobriu nu em meio à praia, suas roupas tinham ficado para trás e sentia seu corpo quente apesar do dia frio. Olhou para o mar e resolveu ir de encontro às suas memórias, foi indo, indo, vencendo as ondas com toda a determinação que lhe restava. De tão determinado, sentia-se invencível, capaz de vencer a própria morte.
Seu corpo fora encontrado ainda agonizante nas areias da praia de Ipanema. O pescador que o encontrou, contou à polícia que ainda pode ouvir seu último sussurro:
- Encontrei – ele dizia – encontrei...!

8.1.04

"Se o rio não fosse turvo
Narciso teria visto o fundo".


Do amigo, professor e poeta: Marco Antônio Saraiva

2.1.04

Para começar bem o ano

"A memória é a mãe de todas as musas"

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