26.11.03

A Estrada

Encostei meu carro e olhei para o mapa mais uma vez. Quem olhava de longe e me via de cenho franzido poderia pensar que eu estava entendendo o que estava desenhado ali. Tirei os olhos do mapa e olhei para frente algumas vezes numa tentativa vã de me achar naquela imensidão de estrada cercada por mato. Sai do carro para ter uma visão melhor da estrada e, quem sabe, achar uma placa que indicasse onde eu estava.
- Muito bem... Admita! Você está completamente perdido! Também... Mapa vagabundo dos diabos! – Pensava com uma certa raiva de mim. – Muito bonito, Zé! Culpe o mapa!
No som do carro, Robert Plant cantava as maravilhas que o esperavam na Califórnia e, logo em seguida, Christopher Cross dizia “nunca serei o mesmo sem você aqui”. Era uma seleção musical duvidosa, porém eclética. Duvidosa porque os roqueiros me crucificariam e os românticos me queimariam vivo ainda que gostasse muito dessa misturada sem dar preferência a um ou a outro.
Rasguei o “falso” mapa e me sentei no capô do carro para admirar a paisagem ao meu redor. Descobri que já passavam das três da tarde e que estava dirigindo desde as seis da manhã. Fui ao carro mais uma vez para buscar o maço de cigarros e, droga, só tem mais dois!
- Preciso de cigarros e uma cerveja. E rápido! – Voltei para o banco do motorista, girei a chave e o rosnado do motor me fez relaxar um pouco. Mick Jagger começou a cantar Paint in Black. Coloquei os óculos escuros e me senti como Mad Max. Acelerava cada vez mais e, como a estrada estava vazia, posicionei o carro bem sobre as faixas amarelas. Parecia que o carro as ia engolindo furiosamente como um cortador de grama a jato.
Ao longe, avistei um posto de gasolina que não recebia fregueses há um bom tempo. A poeira já tinha se apossado das bombas de combustível e da varanda da pequena loja de conveniência anexa ao posto. Uma senhora, perto dos seus setenta anos, sentava em uma cadeira de balanço na varanda e fumava um cigarro enquanto admirava o nada.
Estacionei o carro ao lado de uma das bombas e sai do carro em estilo cinematográfico retirando os óculos escuros puxando a haste direita num movimento brusco para a esquerda e para baixo.
A tal senhora usava um vestido quadriculado com um avental amarrado à cintura. Veio caminhando lentamente em minha direção e disse com uma voz quase firme tentando disfarçar a tremedeira:
- Não tenho combustível. O fornecedor deveria ter passado aqui há uma semana mas ainda não veio.
- A senhora tem cigarros?
- Tem uma máquina lá dentro que acho que ainda funciona – Tentei em vão identificar seu sotaque numa esperança de descobrir onde estava mas não deu certo.
- Ok! Obrigado.
Entrei na pequena loja onde, nos fundos, ficava a máquina. Depositei duas notas e apertei o botão correspondente à marca de minha preferência mas nada aconteceu. Chutei a lateral da máquina e três maços caíram no receptáculo. Sem cerimônia, peguei os três e os guardei nos bolsos dos jeans que já estavam bem surrados.
- Ah, vai... Foi a máquina que quis me roubar e depois da coerção, mudou de idéia! – Pensei me desculpando pelo furto qualificado.
Havia uma porta lateral na da loja e, muito curioso, resolvi averiguar. A tal porta não era aberta há muito tempo e, com um certo esforço, consegui move-la. As velhas dobradiças rangeram e um odor espesso de poeira me invadiu as narinas.
Atrás da porta havia um grande salão de pé direito alto. Muitas mesas com cadeiras apoiadas cercavam um pequeno palco e sobre ele, um piano coberto com lençol branco e mais acima, um belo e majestoso lustre de cristal. As janelas de vidro colorido retratavam grandes nomes do jazz como Wayne Shorter, Louis Armstrong, John Coltrane e Thelonious Monk.
Lentamente, meio hipnotizado, caminhei até o majestoso piano de calda. Descobri a frente do instrumento e a inscrição Steinway and Sons pareceu tomar vida ao refletir a débil iluminação externa que era filtrada pelos vidros coloridos. Levantei a tampa do teclado e pressionei uma tecla. O som encheu o ambiente ecoando por todos os cantos e custou a morrer. Sentei-me no empoeirado banquinho fazendo uma nuvem branca subir. Dedilhei alguns acordes e o piano estava surpreendentemente afinado. Uma empolgação juvenil tomou conta de mim e continuei tocando animadamente.
- Há muito tempo não se escuta música nesse salão. – A senhora estava escorada no umbral da porta e me olhava com olhos tristes.
- Credo! A senhora me assustou!
- Estava só observando. Toque mais se quiser.
- Um pergunta: a senhora tem alguma previsão de quando o combustível vai chegar?
- Não. Como está seu tanque?
- Vazio. Bem vazio.
- Posso te alugar um quarto que tenho aqui em cima. Nada luxuoso: uma cama grande, um relógio de parede e uma geladeira.
- E quem precisa de mais que isso?
Sorrimos e a senhora chegou mais perto do piano cantando algumas canções antigas.

24.11.03

Gente boa, juro que não é por falta de tempo ou de saco que não tenho escrito.
O fato é que sou extremamente crítico com meus textos e antes de soltá-los, quero ter a certeza de que apresentarei a vocês alguma coisa que eu considere boa a ponto de ir ao ar!
Perdoem este escriba...

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