13.5.04

A Sala

Dentro da mínima sala, o pequeno e esquálido homem sentava-se no chão abraçado aos joelhos. Tinha como testemunha de seus pensamentos, o próprio assento e a rachadura no teto em forma de cachorro que resolvera chamar de Fred. Já não sabia há quanto tempo não via outra paisagem senão as marcas de infiltrações e as rachaduras nas paredes que o encarceravam. Imaginava que horas seriam, pois ouvia passos do lado de fora da porta de ferro batido.
Algumas vezes, uns homens entravam na sala. Mandavam-no ficar de costas para a porta e um dos homens o vendava. Ficavam muitas horas perguntando coisas sem sentido: “Onde está a bomba?” “Para quem você trabalha?” “De qual célula você faz parte?” “Quem são seus comparsas?”
No princípio ele respondia o que sabia, ou seja, nada. Depois de muito tempo sendo interrogado e respondendo o que os homens não queriam ouvir, resolveu calar-se por completo para descontentamento de seus interrogadores. Depois que eles saiam, ficava conversando com Fred durante horas. Por vezes achava que todas as suas faculdades mentais o haviam abandonado, mas rapidamente se convencia do contrário. Lembrava-se de seu nome, seu endereço, da casa onde morou, dos vizinhos.
Em verdade, lembrar-se de sua vida era tudo o que lhe havia restado, além de conversar com Fred que já tinha se tornado um grande amigo e confidente. Contava à figura de cachorro no teto seus segredos e medos mais profundos. Coisas que ele escondia até de si mesmo como o filho que tivera e abandonara, o homem que teve que matar, o medo de morrer só. Sendo que esse último já estava superado. Sabia que estava na sala para morrer. Poderia até ser de velhice, mas morreria se tivesse sorte.
Um dia, escutava os passos do lado de fora e os homens pareciam mais apressados. A porta se abriu com violência e, pela primeira vez, vira os homens. Vestiam uniformes negros. A sombra dos quepes cobria seus olhos de modo que só se via órbitas negras e ainda carregavam pistolas em coldres presos em suas cinturas. Dois homens entraram primeiro parando à frente da porta. Logo em seguida, com passadas lentas e controladas, um jovem comandante entrou também.
- Eu sou o Comandante Hessler – disse pausadamente. A voz dura e firme do comandante feriu-lhe os ouvidos – As coisas vão mudar aqui, meu caro. Quero que você responda a todas as minhas perguntas. Levante-se! – O pequenino homem levantou-se com dificuldade. A luz que penetrava pela porta incomodava seus olhos fazendo-os arder. – Vire-se para a parede! – Ordenou o comandante. O homenzinho, em pé no centro da sala não se moveu.
- Vire-se!!
Sem esperar mais, o comandante sacou de sua pistola e acertou um único e certeiro tiro bem no meio da testa do homem que ousara desafiar suas ordens. Em silêncio os três homens deixaram a sala e rumaram para o gabinete do General onde o Comandante Hessler faria seu relatório.
O impassível general escutou todo o relatório de Hessler sem piscar e ao fim, dirigiu palavra ao seu sobordinado:
- O senhor é burro, comandante? – Hessler gagejou:
- Co-como, senhor?
- Uma sala tem quantas paredes, idiota?
- Qua-quatro, senhor...
- Então o prisioneiro não desobedeceu a sua ordem! Tínhamos razões para acreditar que, em breve ele estaria pronto para nos dizer tudo! Comandante?
- S-s-sim, senhor...
- Considere-se exonerado!
Dias depois o corpo do Comandante Hessler trajando seu uniforme de gala, foi encontrado em sua residência. Pendurado pelo pescoço a um nó de forca preso a uma viga do teto. A carta que pairava abaixo das lustosas botas negras, tinha grifada as palavras "exoneração desronrosa".

12.5.04

Já não me vejo, não me tenho como antes,
A vida ganhou um papel muito grande.
Contorno teu contorno,
Sinto teu olhar de perto e por dentro
Corro risco de vida
E nem o medo me impede.
O sentimento humano
Nunca se solidificará
Nunca se sentirá concreto
Presencio tua ausência.
Solidifiquei-me em teu corpo,
Duramente sobrevivi em teu coração,
Bombeando-me, líquida,
Em breve destino...
Evaporei-me junto com teu silêncio.
E eis que me senti viva.

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