18.9.03

Não era um sujeito de muitos luxos. Morava sozinho num pequeno apartamento da zona sul do Rio de Janeiro. Sempre que sobrava uma graninha no fim do mês, colocava numa poupança e ia guardando. Não sabia exatamente o que faria com suas economias mas haveria um momento em que saberia. Tinha um feeling...
Um dia, resolveu que ia comprar um carro.
- Um clássico! – disse em voz alta quase sem perceber – e saiu porta a fora decidido a comprar o tal carro.
Comprou o jornal, um maço de Marlboros e foi para casa.
Enquanto preparava um café, parou um instante para apreciar o aroma que apreciava tanto. Pensou que, inclusive, possivelmente gostava mais do cheiro do que do gosto, propriamente dito.
Café pronto foi para a sala onde o jornal e os cigarros o aguardavam sobre a mesa de centro. Sentou-se no sofá, abriu os classificado, passou os olhos sobre as letras negras sobre o cinza esbranquiçado, bebeu um gole do café – forte, de homem, como gostava de brincar consigo – acendeu um cigarro com o zippo que tinha ganho de um grande amigo. Parou um instante e se lembrou de tudo (ou quase tudo) que passaram juntos. Soltou uma gargalhada que ecoou na sala chamando a atenção dos gatos.
- Imagina... Lembrar tudo? Até parece que sobraram neurônios pra isso!
Virou a página do jornal e se deparou com o momento que sabia que viria:
“VENDO: MUSTANG SHELBY GT500 67, PRETO COM FAIXA LATERALBRANCA E COMPRESSOR..
- É esse!! – o grito acordou definitivamente os gatos que subiram na mesa de centro e passeavam sobre o jornal aberto querendo saber o que estava acontecendo – Esse é o carro! Mais do que isso: esse é o momento!!
Foi ao quarto pegar a jaqueta e a carteira. Saiu ventando pela sala e passou rápido como um bólido pela vizinha do segundo andar que se benzeu e voltou para dentro do apartamento. Entrou num táxi e deu as coordenadas ao motorista entusiasmadamente.
Chegando ao local, viu algumas pessoas aglomeradas ao redor do carro e se assustou. Impressão que passou rapidamente quando descobriu que a turba era forma da em sua grande maioria por curiosos e não por possíveis compradores.
Avistou um senhor de uns 60 anos olhando para o carro com um ar de orgulho e tristeza. Era definitivamente o dono do carro. Era capaz de jurar que as lágrimas rolariam a qualquer momento e por conta disso resolveu acabar logo com aquilo.
- Boa tarde! Vi o anúncio no jornal e não resisti!
- Vou sentir falta dele mas não consigo mais me ver nesse carro! Envelheci antes dele.... Quantos anos você tem?
- Faço 30 daqui a pouco!
- Idade boa! E é a última para se ter um carro desses! Depois dos trinta, o corpo vai perdendo um pouco da vitalidade. Sabe como é? O espírito está disposto mas a carcaça não agüenta...
-....
- Sessenta mil. – falou distraidamente – Como é que você vai pagar?
- Depósito na sua conta corrente!
- Ok!
Depois do “ok” nada mais foi o mesmo. Uma vez confirmada a transferência, o metal frio das chaves se chocou com o calor e o suor na palma da sua mão direita. O carro era seu!
- Só toma cuidado com uma coisa - disse o “seu” Rodrigues – Cuidado quando pegar a estrada. Uma vez na estrada pode-se ir atééééé....
- Vou tomar!
Girou a chave na ignição, acelerou e nem sentiu o sorriso que desabrochara! Na verdade sorria tanto que chegava a doer! O som do motor fazia com que o mundo ao seu redor fosse sumindo aos poucos e o cheiro de gasolina era inebriante.
Foi-se aos poucos observando no retrovisor que o “seu” Rodrigues o observava e enxugava o rosto com uma estopa velha.
Encostou o carro, passou a mão no telefone celular e ligou para uma amiga:
- Linha? Preciso de um favor... Você cuida dos gatos pra mim? Preciso fazer uma coisa fora da cidade e vou ficar uns dias fora.
- Claro! A chave ta debaixo do carpete?
- Ta! Faz o seguinte: passa uma temporada lá em casa até eu voltar! Preciso que você molhe as plantas também....
- Quanto tempo você vai ficar fora?
- Um tempinho! Nada de mais!
- OBA!!! Posso ficar lá até você voltar?
- Pode! Só precisa manter a casa arrumada!
- Sem crise!!
Desligou o telefone e o colocou em cima do banco do carona. Dirigiu até a fronteira da cidade com o som ligado no máximo! Parou o carro assim que cruzou a fronteira do estado. Pegou o telefone celular e o jogou no meio do mato. Tirou o relógio de pulso, largou no asfalto e pisou em cima assistindo os intestinos do relógio voarem longe!
- Hoje ninguém me controla!!! Born to be wild...!

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