15.10.03

A sala de espera do consultório lhe parecia muito mais impessoal e fria do que o normal. Nem as belas reproduções de Miró e Escher quebravam a monotonia branca das paredes. Esfregava as mãos numa vã tentativa de aquecê-las até que decidiu sentar-se sobre elas. Ato que acabou criando um dilema:
- E agora? Como é que eu faço pra ler a revista?
Olhou ao redor e se viu a sós com a secretária do psicólogo que estava muito ocupada lixando as unhas e nem se importava com o (nem tão) jovem que já estava ficando com os lábios roxos de frio.
Uma senhora saiu da sala ainda enxugando algumas lágrimas que insistiam em lhe encher os olhos. Agradeceu ao médico com um leve aperto de mão e se foi.
- O senhor é o próximo. - Disse a secretária.
Caminhou timidamente até a porta que dava para uma sala ampla e iluminada onde ao fundo, atrás de uma bela escrivaninha e a frente de uma enorme janela, sentava-se o doutor. Havia ainda na sala, um enorme tatame forrado com um belo lençol com estampa de arco-íris próximo à escrivaninha e muitas, muitas almofadas espalhadas. Dirigiu-se ao tatame e largou seu corpo pesadamente sobre as almofadas das mais variadas cores. Fez um amontoado delas, recostou-se e, com os joelhos em arco, abraçou uma almofada.
- Então? O que o traz aqui? - Perguntou o doutor educadamente.
- Fiz uma coisa com a qual não tenho conseguido viver.
- Então vamos falar sobre isso. O que você fez de tão terrível assim.
- Cometi suicídio.
- O senhor quer dizer homicídio?
- Não. Quis dizer exatamente o que disse. Eu cometi suicídio. Uma morte lenta, gradual e sofrida das minhas idéias, meus ideais, minha ética, meu discernimento... todos mortos. Um verdadeiro genocídio.
Vendi meu corpo e minha alma para um emprego que não me trouxe satisfação nem realizações. Troquei o suor do meu rosto por uma pequena quantia mensal. Sem motivação, vi minhas idéias serem trocadas por uma convivência mais lisa com colegas, chefes e afins. Deixei de sonhar, deixei de sorrir. Minhas gargalhadas, tão frequentes, foram silenciando e se tornaram feições circunspectas e meu olhar esfriou. Verti minha vida na pia de pessoas de vida vazia... tudo isso por medo.
- O medo do desconhecido e do fracasso são muito comuns - Interveio o doutor.
- Não tenho medo do fracasso.
- E do que você tem medo?
- Do sucesso.

Arquivo do blog

Free counter and web stats