13.1.04

Das memórias e seus percalços

Andava pela rua cabisbaixo repassando sua vida como se fosse uma sessão de slides. Recriava diálogos modificando-os como se acontecessem agora e pudesse incluir ou suprimir falas, fazer outros movimentos. De um certo modo, se divertia.
Uma chuva fina caia sobre a cidade emprestando uma coloração plúmbea e fria aos prédios e até mesmo ao mar que mais parecia uma continuação em movimento do céu negro e carregado. Sentou-se em um banco da orla e nem se incomodou com o contato da pedra fria e úmida contra seu traseiro. Admirava o movimento das ondas e suas memórias surgiam no mesmo ritmo: indo e voltando não dando mais tempo para que as cenas fossem reconstruídas. Simplesmente apareciam abruptamente, sumindo com delicadeza deixando suas impressões na areia e voltando para o fundo escuro de onde vieram. Sentia-se sufocado por tantas lembranças e já não conseguia mais ficar sentado, precisava se movimentar. Acreditava que assim deixaria para trás suas memórias mas não podia. “Quem sou eu sem minhas memórias? Como uma pessoa pode se sentir completa sem relembrar o que passou, o que vivi?”. Parou repentinamente e reparou que estava de olhos fechados. As perguntas cessaram assim como o ir e vir de suas lembranças. Olhou ao redor e se descobriu nu em meio à praia, suas roupas tinham ficado para trás e sentia seu corpo quente apesar do dia frio. Olhou para o mar e resolveu ir de encontro às suas memórias, foi indo, indo, vencendo as ondas com toda a determinação que lhe restava. De tão determinado, sentia-se invencível, capaz de vencer a própria morte.
Seu corpo fora encontrado ainda agonizante nas areias da praia de Ipanema. O pescador que o encontrou, contou à polícia que ainda pode ouvir seu último sussurro:
- Encontrei – ele dizia – encontrei...!

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