8.8.03

Ai, ai...
Esses dias eu comentava com uma amiga e acabei comentando com outra amiga que só de pensar em sair com alguém me causa uma vontade incontrolável de ficar em casa.
Explico: não é que eu queira me tornar um eremita, sabe? É só que só de pensar em todo o investimento emocional que se faz, todas as promessas, todos os planos ... pode acontecer de nada dar certo. Isso faz parte, é claro. Mas eu estou um pouco escaldado por enquanto. E não me entendam mal! Eu não sou rancoroso e guardo na memória, só as coisas boas dos meus relacionamentos.
"modo flash back on" ou "modo good times 98 on"
Cena: Sujeito magro, razoavelmente alto escolhe um CD em uma das gôndolas de uma grande loja de CD's. Levanta a cabeça e avista uma moça não necessariamente bonita mas com um charme hipnotizante ao se mover, ajeitar o cabelo atrás da orelha e estar absorta na escolha do CD.
Nosso protagonista olha e se sente atraído por sua beleza da mocinha que está duas gôndolas depois da que ele se encontra. Em um átimo de segundo ele pensa: "quais CD's tem ali naquela gôndola? Hmmm... jazz com as letras 'C' e 'D'! Droga! Não dá pra ver o que ela está escolhendo! Tenho que chegar mais perto..."
O rapaz muda de gôndola o que faz com que a próxima, seja a gôndola em que ela estava correndo os olhos pelas lombadas dos CD's. Ele tenta inutilmente ver o que ela está escolhendo, desiste e vai até a gôndola onde ela estava. Parado ao lado dela e fingindo escolher um CD, ele percebe que ela além de atraente, é muito cheirosa. Não cheira àqueles perfumes femininos tão adocicados que causam náuseas. Seu perfume era discreto porém marcante.
Por obra do acaso, os dois esticam a mão para pegar o mesmo CD ao mesmo tempo. Meio envergonhado e meio divertido ele a olha nos olhos e pede desculpas com um meio sorriso nos lábios. Sentiu a temperatura do rosto aumentar bruscamente quando suas bochechas coraram. Baixou o rosto com um pouco de vergonha. Ela retribui o sorriso e diz que não foi nada. Muito gentil, ele pega o CD e entrega a ela que agradece meio desconcertada com a situação. Ela olha para os olhos dele e, finalmente, ele acha que a partir daí, ele pode ter uma chance.
Ele pensava constantemente que não era um sujeito bonitão do tipo que chama atenção na rua mas sabia que tinha um belo par de olhos e que seu olhar poderia hipnotizar. Era sincero e ao mesmo tempo escondia alguma coisa. Pelo menos ele pensava assim.
Enquanto ela olhava as músicas do CD ele se encheu de coragem e disparou:
- É pra você o CD?
- Mais ou menos.
- Desculpe perguntar mas é tão raro ver mulheres comprando CD's de jazz para si próprias...
Continuavam se olhando e ela percebeu que não conseguia desviar o olhar. Ele não percebeu isso e continuou:
- Principalmente bee-bop! Sempre tive em mente que mulheres preferissem sons menos dissonantes. Tipo Chet Baker ou algum outro compositor mais melódico.
- E você não está errado. Esse é para o...
"Pronto! É pro namorado!"
- ... meu pai! É aniversário dele!
"Ufa"
- Quer ajuda pra escolher?
- Imagina! Não quero atrapalhar a sua escolha.
- Não atrapalha não! Até ajuda! Quer?
- Quero.
então ele se dedicou a ajudá-la. A cada CD que ele sugeria, ele olhava fixamente para os olhos dela e reparava como ela era bonita e ... simétrica! Não era daquelas que tinha muito de uma coisa e nada de outra. Tinha uma beleza pouco comum.
O dia estava frio e meio chuvoso e ela usava uma saia longa, cinza que cobria o cano das botas pretas. A jaqueta de couro sobre uma camiseta branca e uma boina cinza na cabeça que deixava alguns cachos dos seus negros cabelos escaparem pelo lado e muitas vezes ficar sobre suas orelhas. O que fazia com que ela repetisse o gesto tão banal de prender o cabelo atrás das orelhas mas que ele achva chamosíssimo.
Ele reparou que apesar das roupas de cores escuras a beleza dela ainda brilhava. A pele clara, os olhos amendoados, os dentes muito brancos e perfeitos. Talvez ele tenha se apaixonado mas lutou contra esse pensamento pois não se achava pronto ainda.
Em dado momento ele reparou que havia um quarteto no canto da loja e que uma jam iria começar. Respirou fundo, se encheu de coragem e...
- Olha... eu possivelmente não deveria dizer isso mas acredite ou não, há muito tempo eu não o faço ! Eu estou encantado por você! Umas duas vezes eu me peguei querendo desviar os olhos dos seus mas não consegui. Eu queria muito te conhecer melhor. Será que você não beberia um refrigerante ou uma cerveja comigo ali no bar? Tem um quartetozinho ali e parece que eles vão começar daqui a pouco.
- Claro! Achei ótima a idéia e gostei da sua sinceridade!
Os dois escolheram uma mesa, sentaram-se e pediram seus drinks. Ela pediu uma dose de conhaque pois estava com frio. Ele, com um pouco de frio também, pediu um screwdriver.
De repente ele foi atingido por um piano em pleno descampado.
"O que é exatamente que eu estou fazendo aqui? Contando a história da minha vida pra uma mulher que eu conheci há pouco tempo como se daqui fosse sair alguma coisa!"
Ficou um pouco triste ao descobrir que sentia falta da estabilidade de um relacionamento. Da troca de confidências, da confiança em outra pessoa e dessa pessoa em você. Ma descobriu também que talvez não estivesse pronto. Não agora.
Tudo que ele temia passou pela sua cabeça como um filme. "E se eu não causar uma boa impressão?" "E se eu me apaixonar e ela não?" "E se ela se apaixonar e eu não?" "Peço o telefone dela? Se eu não pedir pode parecer que eu não estou interessado mas, por outro lado... ela pode achar que eu me interessei demais e me dar o número errado...."
Enquanto ele falava, contando os livros que leu, os filmes que adora e as músicas que venera, ela se inclinava para frente e apoiava o queixo sobre as mãos entrelaçadas. Seus olhos brilhavam mas ainda assim, as aflições dele não permitiam que ele percebesse isso.
Mais uma vez ele se encheu de coragem e disse olhando para o relógio:
- Nossa olha a hora!
- É o tempo passou e eu nem notei!
- Adorei o papo contigo! Você vai me achar abusado se eu te pedir seu telefone e te ligar no fim de semana para um replay disso?
- Claro que não!! ... Toma aqui! Mas é pra ligar, tá?
- Vou ligar sim! Que tal na sexta?
- Considerando que hoje é quarta... sexta está ótimo! Mas liga mesmo!
"Merda! Ela tá insistindo demais! Esse número é errado com toda a certeza"
- Ok! Então... até sexta!
Se despediram com dois beijinhos no rosto e ele, tão convencido de que daquele mato não ia sair coelho, não se deu ao trabalho de acompanhar a saída dela perdendo a olhadela que ela deu para ele antes de sair da loja. Mas o mais marcante é que ele não acreditou quando na quinta feira às oito da manhã o telefone tocou e ele despertou com a voz doce dela dizendo que não agüentaria esperar até sexta...

4.8.03

Tinha entrado na primeira estação do metro e estranho o quão vazia estava. Olhou ao redor e viu umas poucas pessoas com ares um tanto ou quanto ranzinza mas se conformou que aquela era a expressão “normal” que se via nos rostos de quem transitava pelas ruas da cidade.
Enquanto esperava a composição achou que seria engraçado reparar se as pessoas tinham a “cara” da roupa que vestiam ou vice-versa. De fato a brincadeira estava divertida e ainda fazia com que a espera parecesse mais curta.
Viu uma moça bonita vestindo uma roupa bem simples: calça cáqui e uma camiseta também em tons pastéis. Combinavam com a pessoa sim. Porque não? Ela era bem bonitinha, usava óculos de gatinha (o que talvez não fosse condizente comas suas roupas ou estilo de ser) e os cabelos castanhos que lhe batiam no ombro, estavam comportadamente escovados e brilhosos.
Mas o mais curioso da viagem aconteceu quando já estava sentado e o trem já havia andado umas três ou quatro estações.
um senhor já bem velhinho entrou no trem trajando um elegante terno cinza de risca de giz. As listras eram bem suaves e ele achou que talvez não tivesse reparado nelas se o velhinho não estivesse realmente elegante.
- Possivelmente vai resolver alguma coisa importante. Deve ser seu melhor terno. – Pensou nisso distraidamente enquanto checava, pela enésima vez, se os papeis estavam dentro da pasta e se ficaria nervoso na hora do encontro com o cliente.
Tudo checado, tudo em cima, voltou a reparar no velhinho. Com isso, reparou também que algumas pessoas olhavam para ele e se divertiam. Riam veladamente e algumas faziam força para prender o riso. Achou aquilo uma afronta e resolveu averiguar o porque da chacota.
Levantou-se e ofereceu seu lugar para o velhinho elegante. O velhinho agradeceu muito educadamente mas ainda assim, pareceu um pouco incomodado com a minha atitude.
Por estarem um pouco distantes, o velhinho teve que andar uns três passos para chegar até o assento vazio. Nesse meio tempo, pode perceber que havia um mafuá de fita adesiva presa na sola do sapato do velhinho. Tanta fita fez aquilo parecer um laço de fita grotesco e sem a graça brilhante das fitas que embrulham nossos presentes.
Ao ver que esse era o motivo das risadas alheias pensou numa forma de retirar o falso e esdrúxulo laço de fita ou de avisar ao velhinho. Diante da elegância do mesmo achou por bem tirar o ridículo enfeite sem fazer alarde.
Com um movimento de quadril conseguiu passar para o lado do velhinho onde estava o infame bolo de fita. Pisou firmemente sobre um pedaço de fita e viu que a mesma desgrudara do pé do velhinho.
Distraidamente pensou – Sapatos bem engraxados! Não merecem isso! – Ficou em pé de modo que veria o velhinho a todo tempo. Quando percebeu que a estação do senhor tinha chegado, ficou observando até que as portas se fecharam com um apito estridente.
O velhinho saiu do trem, ajeitou a gravada e o colete, empertigou-se e foi andando resolver o quer que fosse.
E ele ali. Ainda se sentindo bem. Olhou ao redor e se sentiu melhor ainda por perceber que ninguém reparou no que fizera e esse, foi sua grande recompensa.

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